RADIOATIVO (tempo aprox. de leitura: 3,5 min.)
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Já faz mais de 10 anos que vivi, como Comandante de um Full Container, uma situação bem curiosa.
Durante a passagem de comando de uma viagem, meu antecessor ficou estressado ao comentar que foi alertado da possibilidade de nosso navio receber, em viagens próximas, containers com carga perigosa de Classe 7 – Materiais Radioativos. Segui viagem com a tranquilidade de minha ignorância.
Como de costume, fiquei curioso com o tema e decidi me preparar minimamente para ter as respostas adequadas perante a empresa e minha tripulação. Meus “conhecimentos” estavam restritos a uma vaga lembrança dos tempos da Escola Naval, onde passei um semestre tendo que estudar Física Quântica. Depois desse período, nunca mais tive contato com o tema.
Segui meu aprendizado sobre como lidar com problemas: ou você sabe, ou sabe quem sabe, ou sabe onde está escrito, ou sabe quem sabe onde está escrito.
Despreocupado (e achando-se esperto), peguei a publicação mais importante sobre o assunto: IMDG Code, Código Marítimo Internacional de Produtos Perigosos. Fui direto para a parte que me traria informações sobre o transporte de materiais radioativos e encontrei uma página EM BRANCO, com uma nota de rodapé: “A Resolução 13/88 da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN-NE 5.01) regula o assunto no Brasil e deve ser consultada para o caso de transporte de produtos da classe 7”. Fiquei preocupado. Minha pesquisa não conseguiu evoluir muito naquele meu embarque.
Para piorar, ouvi a posição da gerência (estrangeira) da minha empresa de que não haveria problema algum, haja vista o exemplo do transporte marítimo de carga radioativa em seus país de origem, ignorando meu comentário de que deveríamos seguir a regulação da CNEN.
Por coincidência, visitei meu irmão, que estava servindo na DPC naquela época, fui convidado e me juntei à comitiva que participaria de um debate na CNEN sobre o assunto.
Lá, passei a maior parte do tempo ouvindo as preocupações dos participantes (terrestres) e suas medidas adotadas para se protegerem e se livrarem, o mais rápido possível, desse tipo de carga.
Do que me lembro, um container Classe 7 não poderia ficar no pátio dos portos de embarque e desembarque, bem como deveria ser inspecionado no embarque e no desembarque por equipe trajando EPI “lunar”.
Os oficiais da DPC deixaram a palavra para mim e expus minha posição à bancada da CNEN.
Eu era o único Comandante da Marinha Mercante naquele debate (e pontuei isso). Ninguém se lembrou, nas suas ponderações, de que a maior exposição ao perigo de radiação estava no tempo que essa carga estava a bordo. Não estavam definidas as medidas protetivas e planos de emergência para os tripulantes.
Num exemplo de cálculo, mostrei que um tripulante poderia atingir o limite de exposição ANUAL de radiação durante UMA SEMANA de viagem e pedi que contestassem meus cálculos.
O silêncio da plateia e da bancada foi constrangedor. Ainda me lembro da resposta de um representante da CNEN: “O senhor nos gerou uma tremenda demanda!” (Risos amarelos na platéia)
Limitado que era (e sou) no assunto, ainda perdido entre Sieverts e Roentgens, interpretei a resposta como sendo eu um “gerador de faina” para a CNEN, na época.
Ainda me impressiono com o “esquecimento” da existência do marítimo.
“Suave mari magno…”
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Leonardo Seixas (Diretor de Marketing)