AVALIAÇÃO “ARISTOTÉLICA” (tempo aprox. de leitura: 3 min.)
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Trabalhei, praticamente, todo meu tempo de Marinha Mercante numa única empresa. Nesse período da minha vida, tinha total desconhecimento da composição do meu salário. Vivia a felicidade da ignorância de receber um bom salário, sem questionamentos.
Só fiquei preocupado quando completei um ano de empresa e me alertaram que receberia uma quantia bem acima do esperado e que deveria ter cuidado ao administrar esse valor nos próximos dois meses.
Vários tripulantes tentaram me explicar, divertindo-se com minhas expressões de ignorância, os cálculos que levavam àquela quantia e, como nunca acertei as peculiaridades dos cálculos, desisti de entender ao longo dos anos. Graças a Deus, não precisava controlar exageradamente o quanto receberia com relação aos meus gastos.
Passados alguns anos, surgiu uma situação na empresa que fez todos os tripulantes pararem para me indagar o que aconteceria com nossos salários.
Fazia parte do nosso salário uma parcela denominada Bônus Desempenho que todos recebiam antes mesmo da minha entrada na empresa. Uma daquelas gratificações que ninguém questiona. Recebe e gasta.
De repente, as “mentes brilhantes” da administração decidiram “corrigir” a irregularidade do recebimento integral dessa bonificação. Estabeleceram critérios em forma de avaliação para criar uma tabela de bonificação escalonada, onde seria difícil receber 100%. Tudo parecia fazer sentido para mim, mas apresentou falhas homéricas.
As avaliações dos tripulantes deveriam ser feitas pelos Imediatos e Chefes de Máquinas e os mesmos seriam avaliados pelos gerentes da empresa.
Quando recebi o modelo das avaliações, reuni os tripulantes de Convés e Câmara no Passadiço para ler, com eles, as novas regras, na presença do Comandante. Ao término da leitura, perguntei se haviam entendido como seriam avaliados. Relutantes, responderam que não. Tranquilizei-os respondendo: Nem eu!
Como ser justo, baseado na minha percepção mal compreendida de uma avaliação mal formulada pela empresa? Como eu seria avaliado tendo em minha tripulação avaliações de baixo desempenho? Incapacitado de escalar uma tripulação de alto desempenho, minha avaliação pessoal estaria dependente e limitada ao desempenho dos meus tripulantes, de acordo com as novas regras.
Informei aos tripulantes, na frente do Comandante, que os avaliaria como excelentes ou pediria seus desembarques por mal desempenho. Simples assim!
Como previa, a avaliação mal formulada, mal redigida e mal intencionada não vingou. Esqueceram que, mesmo justa em sua teoria de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade” (Aristóteles), o Bônus Desempenho nasceu errado, se estabelecendo na compreensão dos tripulantes como integral, desde o início. Reverter a igualdade naturalmente instalada na mente dos tripulantes causaria mais prejuízo do que lucro.
Suas falhas homéricas em tentar implantar o conceito mal compreendido de igualdade geométrica aristotélica soou como grego para muitos.
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Leonardo Seixas (Diretor de Marketing)