CORDIALIDADE (tempo aprox. de leitura: 2,5 min.)
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Próximo de minha reforma como Oficial da Marinha, mantive a serenidade para passar por esse período turbulento de forma menos traumática possível. Estava consciente de que precisaria me reinventar; recomeçar praticamente do zero.
Estava com trinta anos, bem estabelecido na carreira, com boas perspectivas e, de repente, vi-me obrigado a encarar uma realidade que não estava nos meus planos. Não que eu fosse um jovem de grandes projetos e ambições; um militar que planejasse a longo prazo uma carreira, como muitos colegas sabiamente fizeram.
Já não era a primeira vez que “passaria por mau tempo”, tendo que deixar meu barco “correr com o tempo”.
Como já havia aprendido, mantive o controle e tentei acompanhar a situação da melhor forma possível. Como disse, fazer meu barco correr com o tempo; sem drama.
Nesse período, vivi, pela primeira vez, uma situação curiosa que, tenho certeza, muitos conhecem.
Um novo Comandante assumiu o navio e reuniu os Oficiais na Praça D’Armas para se apresentar e “ditar sua voga”. Entre todas as coisas irrelevantes e desnecessárias que falou (e que nem me lembro), disse que estava passando por problemas domésticos com sua esposa, de maneira que poderia, por conta disso, chegar a bordo com humor alterado e destratar um de nós; que nós deveríamos relevar. No final, perguntou se alguém tinha alguma dúvida ou algo a dizer.
A maior parte dos Oficiais olhou para mim e, como me conheciam o suficiente, sabiam que eu não ficaria calado diante daquela situação absurda.
Lembrei ao Comandante que eu também estava vivendo um momento muito difícil e estressante, logo, respeitosamente pedi que ele relevasse qualquer alteração de minha parte, em reciprocidade. Minha tolerância a “alterações idiossincráticas” estava no limite (sendo bastante delicado com as palavras).
O silêncio reinou na Praça D’Armas por um tempo. Todos aguardando uma resposta do Comandante, que não houve. Desnorteado, o Comandante disse que a reunião estava encerrada e que todos estavam dispensados, descendo rapidamente ao seu camarote.
Sempre foi claro para mim que, num ambiente de trabalho, a cordialidade deve ser cultivada a todo custo, seja com subordinados ou superiores. A disciplina é um atributo de mão dupla e a cordialidade faz parte dela. Sua ausência degenera rapidamente o ambiente e sempre traz sérias consequências.
Desembarquei semanas depois para a Ilha Fiscal, onde aguardaria minha reforma. Tive a honra de participar, antes do desembarque, de um coquetel em minha homenagem, onde todos meus ex-Comandantes foram me prestigiar e desejar bons ventos nas minhas novas jornadas. Levei comigo esse belo momento.
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Leonardo Seixas (Diretor de Marketing)