COVARDIA (tempo aprox. de leitura: 3 min.)
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Como todo “vapozeiro”, vivi momentos difíceis e desagradáveis nos curtos dez anos de trabalho na Marinha Mercante.
Certa vez, acordei de madrugada com muitas dores abdominais e liguei para o Passadiço pedindo que entrassem em contato com a Enfermeira para que ela se encontrasse comigo na Enfermaria. Lá chegando, ela percebeu que eu, provavelmente, estava passando por uma forte crise de vesícula.
Estávamos bem próximos de entrar no rio Amazonas e eu teria que subir ao Passadiço para acompanhar a navegação até o embarque dos práticos, cerca de doze horas depois, em Fazendinha (Macapá). Subi com a enfermeira a tiracolo, sem condições sequer de sentar-me na minha confortável poltrona.
Quando os práticos embarcaram, ficaram assustados com a minha aparência e me “liberaram” rapidamente.
Todos a bordo já sabiam que eu seria rendido pelo outro Capitão quando chegasse em Manaus. O pavor tomou conta da tripulação, pois sabiam quão desagradável era minha rendição.
Um caso de especial atenção era um Praticante que havia embarcado na viagem anterior, durante o comando do referido Capitão e que havia conversado comigo que o mesmo demonstrou agressividade injustificável e gratuita com ele, perseguindo-o em todos os momentos.
Orientei minha tripulação para alertá-los sobre a conduta que deveriam ter na minha ausência, em especial, o inexperiente Praticante. Não adiantou muito.
Já em casa semanas depois, recuperando da cirurgia, recebi um telefonema do Praticante, desesperado. Ele havia sido desembarcado e devolvido à Escola (CIABA) por atrito e indisciplina perante o Capitão.
Para explicar a gravidade da situação, ser devolvido à Escola significava submetê-lo a um Conselho de Conduta e provável expulsão, encerrando, no início, sua carreira como Oficial da Marinha Mercante. Para esclarecer, o Praticante não cometeu nenhum ato que justificasse essa desmedida ação. Lamentei o ocorrido, mas informei ao Praticante que não poderia fazer nada para reverter a situação.
Inconformado com a injustiça que tirou meu sono, decidi fazer um longo e-mail para o CIABA, endereçado ao Praticante como portador. Nesse e-mail, relatei que o referido Praticante apresentou conduta normal e adequada durante meu comando, bem como constatei via cuidadosa investigação que o motivo de seu desembarque era infundado, injusto e covarde. Não me importei em parecer antiético. Em cópia desse e-mail, estava um Capitão da Empresa bastante conhecido no meio naval, bem como um renomado Almirante da DPC, ambos colocados como minhas referências pessoais, já que não me conheciam no CIABA.
Para minha surpresa, o Almirante também mandou um e-mail para o Diretor do CIABA endossando totalmente minha posição em defesa do Praticante. Dias depois, o Praticante, aos prantos, telefonou para mim relatando o ocorrido e agradecendo a salvação de sua carreira.
Senti-me orgulhoso e aliviado, pedindo a ele apenas duas coisas: se tornar um Oficial da Marinha Mercante exemplar, acima da média e que se lembrasse do ocorrido para que fosse um futuro Capitão justo e de bom caráter.
“Alguns (chefes) são considerados grandes porque lhes mediram também o pedestal.” – Sêneca
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Leonardo Seixas (Diretor de Marketing)