ENCRUZILHADAS (tempo aprox. de leitura: 3 min.)
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Embora não haja nenhum problema, omitirei certos detalhes dos fatos que relatarei a seguir.
No início de minha passagem pela Marinha Mercante, recebi, a bordo, um extenso relatório da “Matriz” (estava num navio de companhia nacional que pertencia a uma companhia estrangeira).
O relatório descrevia um encalhe numa pedra em determinado porto do sul do país de um navio da “empresa-mãe”.
Ao desembarcar, fui chamado pela empresa para participar de uma missão, digamos, peculiar: apurar os fatos ocorridos e descritos naquele relatório, bem como dar parecer sobre as medidas que a empresa-mãe decidiu adotar para seus navios. Essa missão havia sido me passada pelo fato de meu passado como Hidrógrafo na Marinha de Guerra.
Sem hesitar, informei na reunião que deveria partir da apuração dos fatos ‘in loco’, começando por uma sondagem batimétrica durante a entrada de um de nossos navios naquele porto. Rapidamente, planejaram meu embarque no próximo navio que passaria naquele porto.
Recolhi os dados daquele “levantamento hidrográfico de fortuna”, visitei a Praticagem, o sistema de monitoramento via GPS das boias do canal (moderno, para a época) e retornei para casa, debruçando-me sobre o problema.
Falando sobre problema, não foi difícil perceber que o tal relatório ERA o problema! Explico: as conclusões desse relatório eram absurdamente equivocadas; um bom exemplo de Falácia da Generalização Apressada.
Apesar da extensa quantidade de páginas, suas conclusões eram desprovidas de respaldo técnico adequado, apenas levantando dúvidas sobre a segurança da navegação e do serviço de Praticagem daquele porto, além da absurda determinação final de estabelecer uma derrota fixa de entrada no porto a ser adotada à revelia das orientações e comandos dos Práticos embarcados.
Resumindo (e muito!) minhas conclusões, tratava-se de um relatório arrogante, cheio de falsas premissas e que, certamente, não seria levado a sério num porto de seu país de origem ou de qualquer outro do dito “primeiro mundo”.
Diante de tudo isso, estava diante de uma encruzilhada que tirou meu sono por algumas noites. Deveria escrever, bem no início de minha contratação na empresa, um relatório que chamaria de “lixo” um “elaborado” relatório da empresa-mãe.
Claro, decidi concluir e entregar o relatório o mais breve possível, sem mesuras e eufemismos, aguardando as consequências de minha postura; uma provável demissão.
Nenhum comentário foi feito sobre meu relatório e o relatório da empresa-mãe foi, misteriosamente, rapidamente e igualmente, “esquecido”.
Não foi a primeira nem a última encruzilhada profissional da minha vida, onde optaria pela clareza e determinação, sem receio das consequências.
Toda encruzilhada gera consequências.
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Leonardo Seixas (Diretor de Marketing)