MARMITA DO PAPAI (tempo aprox. de leitura: 2,5 min.)
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Ainda garoto, depois de ter passado uma infância razoavelmente abastada, percebi que tínhamos tomado um tombo na vida. E essa percepção veio ao ver minha mãe, acordada de madrugada, fazendo a marmita do meu pai. Uma marmita de alumínio tosca, símbolo para mim, da nossa condição daquele momento.
Pouco a pouco, meu pai foi aperfeiçoando, melhorando aquela marmita. Moldou uma caixa de isopor sob medida para aquela marmita manter mais tempo o calor. Depois, uma bolsa de napa para guardar a “super marmita”. Acompanhei todo o processo de transformação.
Guardo, dessa época, a felicidade simples e o orgulho do meu pai em me mostrar a sua capacidade de aperfeiçoar, transformar uma simples marmita. A marmita do papai passou a ser o seu legado para mim.
Observo, constantemente nas redes sociais, um padrão de perfis de sucesso. Exemplos a serem seguidos e admirados. Nunca foi meu caso, por mais que eu desejasse ter vivido uma certa linearidade (ascendente e constante) de sucesso.
Não quero dizer com isso que assumo uma postura depressiva, invejosa e crítica descrita por Fernando Pessoa (com o heterônimo de Álvaro de Campos) em seu Poema em Linha Reta:
“Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo…”
Respeito aos que conseguiram trilhar a constância e o êxito, mas sei que muitos tiveram percalços semelhantes aos meus, até piores, certamente.
Nesses momentos, gosto de lembrar da “marmita do papai”, para mim e para os que me acompanham nesses caminhos, não tão lineares. Não me permito desfocar e ignorar a necessidade de resiliência e proatividade, principalmente nesses momentos.
“Põe tudo o que és na mais pequena coisa que faças.” – Fernando Pessoa
Por “acaso do destino”, não podendo seguir um plano de longo prazo, aprendi a me esforçar no esmero em tudo que faço a curto prazo.
Cabe aqui um pouco mais de Fernando Pessoa (no heterônimo de Ricardo Reis):
“Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias…”
Sigo, sempre, os versos de Fernando Pessoa em seu poema Tabacaria (Álvaro de Campos):
“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo…”
(Para os amigos que conhecem bem a obra de Fernando Pessoa, pergunto às suas almas: “Valeu a pena?”)
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Leonardo Seixas (Diretor de Marketing)