TIRÉSIAS E ULISSES (tempo aprox. de leitura: 2,5 min.)
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“Não julgues que alguém viveu muito por causa de suas rugas e cabelos brancos: ele não viveu muito, apenas existiu por muito tempo. Julgas que navegou muito aquele que, tendo se afastado do porto, foi pego por violenta tempestade e, errante, ficou à mercê dos ventos, ao capricho dos furacões, sem, no entanto, sair do lugar? Ele não navegou muito, apenas foi muito acossado.” (Sêneca)
Creio que muitos da minha geração leram a Odisseia de Homero. No entanto, não havia dado valor e significância, até agora, a uma passagem dessa obra. Trata-se de um conselho do profeta cego Tirésias a Ulisses.
Aconselhou Tirésias a Ulisses que quando, finalmente, retornasse a Ítaca e resolvesse todos os seus problemas, deveria fazer uma última tarefa antes que pudesse descansar. Deveria pegar um remo e adentrar-se à ilha até que alguém não reconhecesse aquela “pá estranha” que carregava. Lá, fincaria o remo no chão e se estabelecesse. Esse seria o lugar onde nenhum homem teria problemas com o mar. Lá ele encontraria a paz.
Conheci muitos velhos marinheiros e ouso dizer que me tornei um deles. Conheço muitos que ainda estão embarcados, por paixão ou necessidade (ou ambos).
Lembro-me de um velho ditado que diz: “O lobo perde os dentes, mas não perde o instinto”. Permito-me uma espécie de “corolário”: “O velho lobo do mar sai do mar, mas o mar não sai dele”.
Creio que o conselho de Tirésias livraria Ulisses dos problemas com o mar. Questiono que traria paz absoluta para Ulisses, mesmo no período histórico em que se passa a Odisseia. Contraria, para mim, o entendimento que tenho da alma marinheira.
Nos dias de hoje, queiramos ou não, permanecemos conectados ao mar de forma real ou virtual. Alguns até já trabalham “no mar” de forma virtual, inspecionando navios, por exemplo.
Quase impossível, como disse Tirésias, afastar-se do mar a ponto de viver com pessoas que ignoram o mar e que nem com sal temperam.
Sempre ouviremos velhos marinheiros reclamando da vida no mar quando estão nela. Sempre ouviremos velhos marinheiros contando estórias da vida do mar quando não mais estão nela.
Quanto a mim, já tentei me afastar das coisas do mar, sem sucesso. Um dia talvez consiga, mas não agora!
O velho lobo do mar sai do mar, mas o mar não sai dele.
. Leonardo Seixas (Diretor de Marketing)